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Moonlight e a regência de cores

  • Foto do escritor: Samuel Fernandes
    Samuel Fernandes
  • 8 de dez. de 2023
  • 4 min de leitura

Atualizado: 3 de mai.

Um filme esteticamente abrangente e melodicamente potente. Este é Moonlight — uma produção nascida da parceria entre o estúdio A24 e o diretor Barry Jenkins —, que conta a história de um homem negro em sua jornada de autoconhecimento, que tenta fugir do "destino" de entrar na criminalidade enquanto se descobre sexualmente numa sociedade machista. Na trajetória, ele conhece diferentes formas de amor em locais inesperados e parte em uma busca interna por um futuro onde nada será como antes.


Primeiramente, eu quero elogiar o filme por não se entregar ao simplismo de retratar o crime como "bandido é mal" e fim. Existem muitas nuances nessa discussão e Jenkins sabe muito bem disso, pois estabelece essa relação de necessidade e vontade de estar à margem da lei de maneira que se tem também no clássico Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles, ao retratar a amizade entre Zé Pequeno e Benê. Mas pausemos nisso, voltarei com Cidade de Deus mais à frente.


Enredo


"Eu acho importante que as pessoas se vejam no filme, mas ainda mais importante também que elas vejam pessoas que, talvez, nem conheçam." — Barry Jenkins

As coisas não são preto no branco na vida real, também não seriam em Moonlight, que, se for algo assim, é preto no azul. Já que este é o cerne dessa história, que é romântica sem deixar de mostrar a dura realidade. E nós podemos acompanhar isso vividamente em sua estética que tem as duas cores presentes em muitos momentos.


O enredo mostra a vida negra suburbana americana sob uma nova luz, saindo do clichê de que a vida na quebrada é só violenta, e mantendo uma distância segura do discurso meritocrático barato de que nosso destino está sempre sob nosso controle. Sem visões privilegiadas ou a velha ideia de que o "caminho do bem" é uma decisão óbvia. A vida não é assim para todo mundo. Como dito por Emicida na música Cê Lá Faz Ideia?, tem muita gente que "se orgulha da honestidade que nunca foi posta à prova. Eu queria te ver lá, tiriça, pra ver onde você ia enfiar essa merda do teu senso de justiça."


Moonlight é uma viagem que vai muito além disso, muito além do preto com arma na mão. Com um visual estilizado de forma ébria, trazendo alto contraste da luz para criar uma sensação escaldante, a fotografia faz você sentir como se estivesse vivendo um sonho febril. Se este é um sonho bom ou ruim, depende muito do seu ponto de vista.


Inspirações


Vamos voltar para o Cidade de Deus. Isso porque a produção do filme foi uma das grandes inspirações para Barry Jenkins, com destaque para o trabalho de cinematografia de César Charlone.


Numa entrevista para a Believer Magazine, Jenkins contou sobre como foi seu começo de carreira gravando com câmeras 35 mm e compartilhou seu descontentamento com a estética racista dessas câmeras, que, segundo ele, eram feitas para captar apenas as peles mais claras. Ele conta:


O filme de 35 mm nunca teve a intenção de, precisamente, refletir ou replicar tons mais escuros de pele. Então, eu aprendi toda essa merda sobre filmes, continuava fazendo as coisas e ficando tipo: "Por que isso está ficando tão ruim?". (...) E, então, tem um filme chamado Cidade de Deus, com esse Diretor de Fotografia, César Charlone. (...) É um filme muito escuro, num tom escuro e também de peles muito escuras. E eles gravaram isso... E eu fiquei tipo: "Como eles estão fazendo pessoas mais escuras que eu, literalmente, refletirem a luz do luar?"

Jenkins contou também sobre a técnica que aprendeu de Charlone ao vê-lo explicar que foi necessário "esfregar óleo de cozinha sob toda a pele dos atores, pois isso iria, literalmente, fazer captar a luz e refleti-la". Uma técnica que ele passou para frente em Moonlight.


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O azul


"In moonlight, black boys look blue". Ou seja: "Na luz do luar, meninos pretos parecem azuis". Essa é a frase que inspirou o nome do filme. O azul no preto é parte central da estética da produção, sendo o preto representante da pele de cada personagem e o azul a luz refletida nessas peles, algo brilhantemente trazido pela fotografia de James Laxton, parceria de longa data de Jenkins.


Com isso, conseguimos notar como as cores são importantes nesta história, e a Teoria das Cores é um auxílio para nos contar isso. Quase toda cena tem algo azul em sua ambientação, a cor é usada como um chamado para a atenção. Por exemplo, quando Kevin — melhor amigo do protagonista Chiron — é "forçado" por um bully da escola a agredir Chiron na frente de todos, ele veste uma camiseta azul, enquanto Chiron veste branco. Mais tarde, na vingança de Chiron sob o bully, temos Chiron vestindo azul e atravessando portas azuis antes de cometer o ato. E, ao fim da cena, enquanto Chiron é detido pela polícia por agredir violentamente o bully, vemos Kevin atônito e de forma passiva assistindo a tudo aquilo vestindo roupas brancas.


No filme, a cor representa sentimentos e não apenas um, mas vários: seja raiva, amor, medo ou tristeza, tudo está lá. Diferente de como é no ótimo filme da Pixar Divertidamente, aqui os sentimentos recebem todos uma mesma cor. E isso não é para simplificar a mensagem, mas, sim, para mostrar que, mesmo numa soma de emoções, ainda somos uma só essência. Jenkins se torna, assim, um regente de cores, mas sua batuta é seu olhar delicado.


Um texto escrito ao som de: "<atrás/além>", de O Terno



 
 
 

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